Sim. Em sua primeira entrevista após assumir o Palácio do Planalto, concedida ao SBT no dia 3/1, ele afirmou que estuda, junto com o ministro da Justiça, Sergio Moro, um decreto que flexibilize a posse e o porte de armas no país. Bolsonaro quer que civis tenham direito a ter duas armas, e agentes de segurança, "quatro, seis armas".
Ele também disse que pode facilitar o acesso a cidadãos de estados com maiores índices de violência, mas não explicou como isso poderia ser feito.
O que o presidente poderia mudar na posse e no porte de armas, sem depender do Congresso?
Mudanças no Estatuto do Desarmamento precisam obrigatoriamente passar pelo Congresso.
Contudo, Bolsonaro poderia alterar a regulamentação da lei (isso é feito por decreto), ampliando o acesso a certos tipos de armas e munições. “Isso é um risco mesmo, é importante esclarecer: ele pode liberar a compra do fuzil, por exemplo. Essas armas são restritas porque as forças de segurança precisam ter um poder de fogo maior do que as pessoas vão ter na rua”, diz o gerente do Sou da Paz, Bruno Langeani.
Para o presidente do Movimento Viva Brasil, Bene Barbosa, a favor da liberação das armas, Bolsonaro poderia flexibilizar a posse. Segundo ele, o estatuto determina que o cidadão precisa “declarar a efetiva necessidade” da arma, mas a exigência de comprovação foi regulamentada por decreto.
“Essa parte, que autoriza o delegado da PF a julgar a posse da arma, pode ser mudada. Já o porte não, ele precisaria do Congresso, porque está no estatuto que é preciso demonstrar, não apenas declarar”, diz o pesquisador em segurança pública Fabrício Rebelo.
Caso isso ocorra, o processo para a posse se tornaria apenas uma formalidade. “Sem isso, o Estado perde o controle sobre o grande número de armas em circulação em certos territórios. Será que faz sentido permitir mais uma arma em áreas conflagradas, por exemplo?”, diz o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques.
Essa possibilidade de mudança não é consenso entre especialistas. Alguns alertam que isso seria "legislar por decreto", o que poderia ser questionado juridicamente.
O presidente poderia influenciar a concessão de registros?
Especialistas divergem sobre isso. Para o presidente do Movimento Viva Brasil, Bene Barbosa, a favor da liberação das armas, o presidente poderia orientar a Polícia Federal a conceder mais registros. “Nos governos anteriores e o atual, por haver uma política nacional de restrição, a determinação era de liberar o mínimo possível. Se o desarmamento deixar de ser uma prioridade para o governo, a PF poderia, em tese, liberar mais licenças”, afirma.
Gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, discorda: “A PF tem autonomia para atuar. Essa me parece uma visão autoritária e pouco factível”, diz.
O que o Congresso pode mudar?
As principais mudanças precisariam passar pelo Congresso, visto que seria necessário alterar o estatuto. Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, há mais de 160 propostas para alterar o estatuto do desarmamento em tramitação no Congresso.
Um dos projetos mais importantes, que propõe revogar o estatuto, é o PL 3722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB). O projeto é o que tem a tramitação mais avançada: está pronto para ser votado no plenário. Para se tornar lei, precisaria ser aprovado por maioria simples na Câmara e, se passar sem alteração no Senado, seguiria depois para sanção presidencial. O texto, aprovado em comissão especial em 2015, propõe uma série de alterações e tem mais de 40 projetos anexados.
Ao final da atual legislatura, caso não tenha sido votado, o projeto será arquivado. Em 2019, pode ser reaberto pelo seu autor, o deputado Peninha, e pautado pelo futuro presidente da Casa. Será necessário designar um novo relator, já que o atual não foi reeleito.
Quais os principais pontos do projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento?
Dentre as principais mudanças, o projeto reduz a idade mínima para a posse de 25 para 21 anos e permite o acesso para pessoas que respondem a inquérito ou processo criminal, contanto que não tenham sido condenadas por crime doloso. Não seria mais preciso declarar a efetiva necessidade de ter uma arma, ponto que é avaliado hoje pela Polícia Federal para a concessão. O porte, atualmente proibido, seria liberado para maiores de 25 anos que cumprirem os requisitos para posse.
Há projetos para revogar o estatuto no Senado?
Sim. Um deles, o Projeto de Decreto Legislativo 175, de 2017, propõe convocar plebiscito para revogar o estatuto. Precisaria ser aprovado por maioria simples, passar pela Câmara e ser promulgado pelo presidente do Senado. Só então o plebiscito seria convocado.
O Brasil tem muitas armas nas mãos de civis?
Depende da base de comparação. Há mais de meio milhão de armas nas mãos de civis: 619.604, segundo dados do Exército e da Polícia Federal, do final de 2017 e de janeiro de 2018, respectivamente.
O número de novas licenças para pessoas físicas, concedidas pela PF, tem crescido consistentemente nos últimos anos. Passou de 3.029, em 2004, para 33.031, em 2017. Ao mesmo tempo, o número de novos registros para colecionadores, caçadores e atiradores desportivos, dados pelo Exército, também subiu. Em 2012, foram 27.549 e, em 2017, 57.886.
"É bastante coisa, para quem diz que a legislação tirou a arma do cidadão de bem. Quem quer ter arma e tem condições de ter, consegue. A compra para defesa pessoal vem crescendo absurdamente desde 2004", diz o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques.
Já para o pesquisador em segurança pública Fabrício Rebelo, favorável à liberação do porte de armas, os números são baixos. “São ínfimos em relação à população do país. Comparado com o Uruguai, onde há uma arma para cada seis habitantes, o Brasil está extremamente desarmado. Antes do estatuto havia quase 9 milhões de armas no país, hoje só há 600 mil, foi uma redução drástica”, afirma.
Qual foi o impacto do estatuto na violência?
Para os contrários à lei, ela “desarmou cidadãos de bem” e não impediu o acesso de criminosos a armas. "O estatuto não produziu efeito nenhum na redução da criminalidade. Se tirou de circulação a arma do indivíduo que poderia se defender", diz o pesquisador Rebelo. Ele afirma ainda que a lei não impediu o aumento da taxa de homicídio.
“É verdade que ela está aumentando, mas a um ritmo muito menor do que antes do estatuto”, diz o professor da UERJ Ignacio Cano, do Laboratório de Análises da Violência, contrário à liberação das armas.
A lei, sozinha, não é “solução mágica” para a segurança, afirma Langeani, do Sou da Paz. “O estatuto não é o único fator, mas claramente impacta na criminalidade. A única redução que tivemos de homicídios nos últimos vinte anos foi depois do estatuto, em 2004 e 2005”.
A cada 1% a mais de armas de fogo em circulação, os homicídios aumentam 2%, segundo pesquisa do economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Daniel Cerqueira, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2016, 71,1% dos 62.517 homicídios no Brasil foram causados por armas de fogo, de acordo com o Atlas da Violência, do Ipea e do Fórum.
Segundo o Atlas, estima-se que, sem o Estatuto do Desarmamento, os homicídios teriam crescido 12% além do observado.
Defensores do estatuto afirmam também que há um risco de desvio de armas legais para o crime. Uma pesquisa de 2015 do Ministério Público de São Paulo e o Instituto Sou da Paz apontou que 87% das armas usadas em homicídios na cidade eram de fabricação nacional e já foram, em algum momento, legais.
Ter uma arma traz mais segurança?
Para seus defensores, sim, porque ela poderia servir para inibir a ação do criminoso. Já especialistas contrários à liberação das armas dizem que elas transmitem uma falsa sensação de segurança. De acordo com pesquisa do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e da Secretaria da Segurança de São Paulo, pessoas armadas que são assaltadas têm 56% mais chances de serem assassinadas.
Levantamento inédito feito pela Folha com base em relatórios sigilosos da PM de São Paulo mostra que, de cada dez ataques a policiais, em nove eles acabam feridos ou mortos. A maioria em roubos, envolvendo soldados.
Os dados mostram ainda que em cerca de 23% dos crimes, além de atacar o policial, os bandidos ainda levam a arma dele. E há episódios em que o PM é morto com a própria pistola, aquela que carregava para se proteger —isso ocorreu em 4% dos casos.
Esses números são resultado de análise feita pela Folha em 491 relatórios de PMs vítimas, documentos elaborados de 2006 a 2013 por equipes da Corregedoria da PM especializadas em investigar ataques desse tipo no estado.
Segundo os dados, desses 491 policiais com registro de violência, 218 foram mortos e 233 ficaram feridos —sendo ao menos 81 deles atingidos na cabeça por tiro ou paulada. No total, só 40 saíram ilesos, o equivalente a 8% do total.
Comentários
Postar um comentário